
Ainda pouco explorado, o transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) também influencia a maneira como a criança percebe e responde aos estímulos do ambiente. Ou seja, aquela que tem dificuldade de equilíbrio ou de pegar objetos, por exemplo, pode não notar facilmente sons e movimentos ao seu redor, limitando suas atividades diárias.
Essa ligação é um dos resultados de estudo realizado em um município do interior de São Paulo. O trabalho contribui para compreender a relação entre o desempenho motor e alterações no processamento sensorial. Embora a literatura científica sugira uma ligação, essas condições ainda estão descritas de forma incipiente.
O transtorno do desenvolvimento da coordenação, também chamado dispraxia infantil, é caracterizado principalmente por dificuldades ao desempenhar habilidades motoras fundamentais e complexas, como subir escadas, andar de bicicleta, cortar com tesoura e escrever. Algumas vezes, a criança chega a ser considerada “desajeitada” e “lenta”.
Participaram da pesquisa 694 estudantes de 6 a 11 anos matriculados em escolas públicas e particulares do município de São Carlos. A coleta de dados ocorreu entre março de 2022 e junho de 2024.
Depois de passar por testes baseados no Movement Assessment Battery for Children (um dos mais utilizados para detectar dificuldades motoras leves a moderadas), as crianças foram classificadas em três grupos: com transtorno do desenvolvimento da coordenação – 52 delas –, com possível transtorno – 137 – e com desenvolvimento dentro do esperado – 505.
Os cuidadores, incluindo pais e familiares, responderam a questionários para completar o perfil sensorial. Forneceram dados que permitiram a análise sob quatro padrões de processamento: criança que busca estímulos ao seu redor (explorador); a que percebe intensamente os estímulos do ambiente (sensível); a que evita estímulos ou situações sensoriais (esquivador); e a que tende a não percebê-los (observador).
O estudo identificou diferenças significativas entre os grupos nos quatro padrões. As crianças com o transtorno do desenvolvimento da coordenação apresentaram mais frequentemente o padrão observador – 35% delas. Essa menor sensibilidade para perceber o ambiente pode atrapalhar o aprendizado e a participação em atividades do dia a dia. Ou seja, parte das dificuldades motoras pode estar ligada não apenas à coordenação, mas à forma como processam as informações sensoriais.
Além disso, os padrões sensível e observador têm correlação negativa com o desempenho motor – quanto mais presentes, pior o resultado nas tarefas motoras. Entre eles, o observador apareceu como importante preditor, sugerindo que a dificuldade em perceber estímulos sensoriais pode estar diretamente ligada aos problemas de coordenação vivenciados por essas crianças.
Os resultados estão publicados na revista European Child & Adolescent Psychiatry.
“Quando comecei o doutorado, quis entender como os estímulos do ambiente afetavam crianças com dificuldades motoras. Pouco se fala sobre isso. Entendi que valeria a pena estudar o tema, já que o motor e o sensorial andam lado a lado. Aí resolvemos trabalhar diretamente com as crianças”, conta a fisioterapeuta Meyene Duque Weber , pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e primeira autora do artigo.
A fisioterapeuta recebeu apoio da Fapesp por meio de bolsa .
Segundo Eloisa Tudella , coordenadora do Núcleo de Estudos em Neuropediatria e Motricidade da UFSCar e orientadora de Weber, os resultados são importantes para alertar as famílias e os profissionais da saúde e da educação sobre as dificuldades motoras na infância.
“Crianças com transtorno do desenvolvimento da coordenação frequentemente são denominadas como ‘desastradas’, ‘atrapalhadas’ e não recebem a atenção de que precisam. Os resultados do estudo reforçam a necessidade de um preparo da equipe para identificar essas crianças e encaminhá-las a um serviço especializado. Vamos continuar essa linha de pesquisa, com o trabalho de um aluno de doutorado, dentro de uma proposta de intervenção para crianças identificadas como TDC”, acrescenta Tudella, destacando a continuidade da parceria com o professor Jorge Lopes Cavalcante Neto, da Universidade do Estado da Bahia, também autor do artigo.
O transtorno
Não há levantamentos estatísticos do número de indivíduos com transtorno do desenvolvimento da coordenação, mas pesquisadores estimam que essa condição afeta entre 5% e 8% das crianças em idade escolar em todo o mundo.
A causa ainda é desconhecida. Complexo, o diagnóstico clínico do TDC é feito por médicos. Fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais compõem a equipe multidisciplinar que garante uma avaliação completa.
O diagnóstico é feito com base em quatro critérios: desempenho motor substancialmente abaixo do esperado para a idade cronológica; déficits motores que interferem significativamente em atividades diárias adequadas à idade cronológica; dificuldades presentes desde o início da infância; e déficits não decorrentes de deficiência intelectual ou visual nem atribuídos a condições neurológicas que afetam o movimento. É comum a coocorrência de outras alterações emocionais e comportamentais, como transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtorno do espectro autista (TEA).
O tratamento inclui terapia ocupacional e fisioterapia visando desenvolver a coordenação motora.
“Os resultados da pesquisa podem contribuir para que pais, escolas, profissionais de saúde e de educação fiquem atentos para além dos sinais motores, percebendo a importância de fazer uma avaliação. Afinal, as dificuldades motoras podem ter sérias consequências na vida da criança, incluindo reflexos na saúde emocional e mental. Nesse sentido, um trabalho multiprofissional ajuda no desenvolvimento dessa criança”, afirma Weber.
A fisioterapeuta lembra que, além do estudo de caso, fez uma revisão sistemática de 2.609 pesquisas, das quais cinco foram incluídas e identificaram alterações no processamento sensorial em crianças com TDC. As características sensoriais que apareceram como as mais afetadas foram tato, equilíbrio e movimento.
Os resultados desse estudo de caso foram publicados na edição de fevereiro da Research in Developmental Disabilities.
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